Páginas

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Meu Coração Anda Pensando Agora

Meu coração anda pensando agora, ele sai da minha cabeça e não da minha caixa torácica. Quero celebrar guerras novas, torturas novas, amores novos, novas torres caindo, novos deuses sendo derrubados, bigodes aparados com outras navalhas e outras navalhas na carne, quero novas doenças para desafiar as velhas curas, novos desastres, a natureza se vingando de outras maneiras, novas espécies de flores, novas crianças em novos parquinhos, novos ungüentos, nova educação, novas tecnologias e preços de passagens aéreas sem queimas... nem de estoque, nem de gente. Gostaria de supor que na manhã depois da trepada e do sono, às vezes ele vinha e me abraçava com seu hálito prolixo num meio de noite, gostaria de supor que não estivéssemos tão absorvidos pelo torpor do desconhecimento daqueles nossos corpos, mas que isso não importava porque nos encaixamos perfeitamente e isso não era compromisso, era só questão de carne boa pra comer, cabeça boa para que eu ficasse tão desconcertantemente amedrontada e feliz de ficar quieta e apenas olhando a profusão das palavras e gestos leves, como as mãos, os dedos gélidos e macios, sabonete que livra impurezas, mas conserva o cheiro do fumo califórnia, bastava isso e outra xícara de café pronto em pó que ele deveria arriscar fazer melhor. Quero novos lugares descobertos nesse e noutro mundo, novos teatros, novas rugas e tenho que lidar com as velhas, novas estrias em novas fotografias, novas partes do meu corpo em pedaços inimaginavelmente mostrados pra você, novas drogas em novos chás e em novas fumaças e porque não, debaixo de novas línguas?, quero a morte de Caetano e Gil, de Sandy e Junior, de Jose Saramago e quero Cem Anos de Solidão para quem não conseguir decifrar seus próprios pergaminhos. A musica do André tamborilando no cara já suado as seis da manha no final da linha do trem, seus dedos calejados e firmes, na boca da dona de casa sonhadora e da novinha que só vai no show dele porque ele é um gatinho, a direção de Ticiano em diversas línguas, porque é um homem milenar, aprendedor e sábio, do mondo e de seus redemoinhos e sibilações, quero minha bailarina sílfide dançando em cima de todos os rios, pontes e overdrives empunhando sua sobrancelha no céu e se curvando diante da sabedoria das lanças, nas quais também nos curvamos todos. Meu coração anda pensando agora, quero ter muitos olhos e muitos filhos, novos olhos e novos filhos, mergulhar em novos mares, sem me esquecer que aprendi a nadar no velho. Quero que esse texto não se pareça com a musica que Elis cantou, querendo uma casa no campo, porque eu quero a paulista e novos dreads em parceria com olhos azuis que talvez amanhã já me apagaram de seu mundo boniot y extrovertiod. Tudo pode até ser reciclado, desde que seja parido com a verdade das coisas secretas e verdadeiras de indícios de que ali jaz o morto e da bosta nasceram flores. No casamento do novo o velho se faz uma concubina necessária e diária para martelar em dedos vadios e deselegantes a promessa de deitar naquela rede de moleza uma alma-de-púcaro.
Levanta-te e anda.


Danielle Ribeiro.
Próxima semana, dia 12/10:"Deus saiu e o dinheiro não entrou. Isso me deixou vazio de tudo, cheio de questões e formulações incompletas, que são como vapor de éter." ABRIR A FELICIDADE?. De Luciano Fortunato.

3 comentários:

  1. o texto de danielle é pungente, veloz e orgânico. ele tem a velocidade da fome. parabéns, menina!!!

    ResponderExcluir
  2. Danielle Ribeiro...
    Como já disse antes e vou dizer sempre: "um coração nas mãos"!!!

    A instabilidade é o motor que faz pulsar a humanidade... Abaixo as gravatas!!! Abaixo os papéis!!! Acima o que estava abaixo!!!! rs

    ResponderExcluir
  3. Aquele texto que não acaba quando termina. E quem disse que termina??

    Parabéns!

    ResponderExcluir