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domingo, 18 de outubro de 2009

Abrir a Felicidade? (parte final)

Confesso que fico feliz quando abro uma Coca-cola com garrafa de vidro. Há estudos sobre o papel das marcas no mundo contemporâneo e seu papel na felicidade das pessoas que confirmam o que eu estou falando, o que não faz de mim um louco varrido por me contentar com uma coisa tão pequena como abrir uma Coca-cola. Sou apenas mais uma vítima do mercado mundial. Há muitas coisas bem baratas que me trazem contentamento psicológico – que é o único contentamento que existe –, como abrir uma Coca-cola, alugar um filme na locadora, comprar um CD e ouvir as músicas que estão nele, comprar um livro e ler o que nele está escrito, sabendo inconscientemente de antemão o conteúdo, pois muito do que se lê nos livros já se sabe. Quase sempre assim: comprar, comprar, comprar. Mas como eu faço para comprar as felicidades mais caras – aquelas que só as pessoas da parte de cima da pirâmide social podem comprar... O sol nasce para todos? Tá legal. Alguém hoje em sã consciência realmente se satisfaz com essa informação, de que o sol nasce para todos? Entramos então naquelas velhas novas anedotas: “O que você prefere? Aproveitar esse sol que nasce pra todos, de pés descalços com uma enxada nas mãos, longe da sombra num sertão sem nuvens, ou ainda na sombra quente e insalubre de uma fábrica, fazendo hora extra, ou preferiria olhar para esse sol com óculos escuros de dentro de uma Mercedes Benz conversível, com uma bela e despreocupada mulher ao seu lado numa estrada paradisíaca?”.
Seria a Coca-cola um deus? Sei lá. De qualquer forma, Deus abençoe a Coca-cola! A felicidade vinda desta bela garrafa com seu belo rótulo vermelho, me custa apenas duas moedas. Quanto ao feio líquido negro que vem dela, que mais lembra suco de petróleo ou de cocô? Ah, isso é o que menos importa. E quando Ele, Deus, puder dar uma olhadinha nos trabalhadores rurais, operários e todos os pobres compradores de aparelhos de TV e de garrafas de Coca-cola... Que não falte comida barata, diversão barata e arte barata aos pobres do mundo.
Tudo o que eu escrevi nos parágrafos anteriores está impregnado de ironia e tristeza, isso parece claro. Houve, porém, um intervalo entre o tempo em que eu os escrevia e o instante imediatamente atual, este aqui. Não fui assistir TV. Mas fui tomar um banho em chuveiro quente – uma dessas maravilhosas invenções que só puderam ser disponibilizadas a todos, graças ao nascimento e desenvolvimento da burguesia capitalista industrial. Botei uma confortável blusa de lã, meu jeans, meus velhos tênis adidas, e fui até o meu quintal, de onde vislumbrei as discretas montanhas do meu bairro com suas casas, do outro lado da ferrovia. Olhei pra minha garagem, pro meu carrinho velho e tosco, mas, no fundo, simpático e funcional, e pensei se eu precisaria mesmo de um Mercedes. Voltei do quintal mais animado. Minha doce e atenciosa esposa – uma mulher boa, porque é, entre vários atributos, uma boa lutadora – passa álcool no telefone. Puxa vida... Chuveiro, ferrovia, telefone... este computador aqui... tudo isto advém do tal capitalismo industrial. Talvez eu ame o capitalismo mais do que presuma. Esse amor pode trazer na bagagem toda essa minha carga de ódio. Amor e ódio são irmãos em luta. Quem afinal não gosta disso tudo que nos rodeia? Quem não gosta da TV? Bobagem. Todos gostam, ainda que alguns não admitam ou não saibam. E todos gostam da idéia do grande e delicioso bolo – aquele quase mítico bolo que deve crescer pra depois ser distribuído. Eu queria apenas que o bolo fosse mais igualitariamente dividido. Eu queria uma fatia maior para mim e os meus. Uma fatia mais justa e mais irmã para todos. Mas, enquanto o bolo não chega... Vamos trabalhando e vivendo o prazer das “pequenas coisas”. E, pieguice ou não, o sol nasce pra todos, sim. Abrir a janela e ver a luz do sol é, na verdade, abrir a felicidade. E nada contra a minha querida Coca-cola. Até porque não posso contra ela.
Luciano Fortunato.
Próxima segunda, dia 19/10: "Por que as prostitutas alugam seu corpo? Por que achamos imoral? Por que eu quero transar com elas? Por que..." ROGANDO ENTRE NÓS", de Ulisses Figueiredo.

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