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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

mandEM RISCO DE PALAVRA

Cabeça, tronco, extremidades e palavra.Encarnada, na vasta unidade do corpo, a palavra faz p(arte) de nossa condição humana. Ela integra e revela, sabiamente, uma cartografia inquieta de necessidades e desejos do Ser diante do mundo e diante de si mesmo. Como estranho registro de identidade, ou variante eficaz do DNA, nosso acervo pessoal de palavras congrega a condição filo-onto-genética que nos sustenta.

Assim, afetos e desafetos; tramas e traumas; medos e coragens, entre outros sentimentos fundamentais, registrariam uma gramática pessoal que numa somática singular, semantiza corpo e alma.Cada vez que me toca solicitar aos integrantes da minha oficina itinerante - Lavra-Palavra - que resgatem do fundo do baú da memória uma palavra da infância, presto especial atenção à postura do corpo diante da palavra somatizada do participante: muda o timbre da voz, alguns ficam curvados, outros parecem elevar-se; alguns ruborizados, outros pálidos. Uns afundam os pés no chão, outros brincam nervosamente com eles. E os joelhos? Como não lembrar, então, das palavras bíblicas do evangelho de São João, percebendo o verbo intensamente habitado e feito carne, feito sujeito do discurso-memória, do discurso-sentido, do discurso-mundo.
Como educadores percebemos que a palavra está longe desta percepção encarnada e substancial, na escrita e na oralidade de nossos acadêmicos das tão Humanas ciências - área de Letras, de Pedagogia, de Filosofia, de História, de Sociologia, de Comunicação - justamente aqueles que formarão novas gerações de educadores dos educadores de tantas crianças.




Com que freqüência descobrimos que acadêmicos dos cursos de graduação e até de pós-graduação procuram a facilidade e o imediatismo da palavra de segunda ou terceira mão, disponível na prateleira para ser servida, ingerida, digerida, rapidamente, de preferência num prato corrido, urbano e banal.

Sabemos que essa palavra alheia que não passou pela interação com o outro e consigo mesmo, que não passou pelo diálogo recursivo com outras leituras e com o mundo, não permanecerá por muito tempo, nem na memória nem no coração de quem a procura e se serve dela. E o mais importante, não provocará o nascimento de outras palavras sentidas e pensadas.


O risco em si tem algo de inaugural, de primeira vez, de nascimento. Certamente colocar-se em risco de palavra, não significa apropriar-se da palavra apenas útil, somente comestível e prosaicamente disposta para garantia da sobrevivência, até o dia seguinte. Palavra, assim, tão sem vida, não permitiria ao usuário o tempo do aroma, do gosto, da percepção da geometria e da cor.

Esta palavra disponível nas mil e uma páginas dos livros ou na tela do computador, ou mesmo na voz do outro, nosso semelhante, não permitiria adivinhar-lhe a textura dos seus talos, folhas, raízes, sem a devida empatia e atenta escuta em relação a ela.




A gente não quer só comida, lembra uma bela composição de Arnaldo Antunes. Nesse sentido, é necessário modificar o ritual do banquete e modificar também a percepção e a relação com as palavras que estão aí, no mundo, saborosas, vivas e inquietas para ser selecionadas e degustadas com critério significativo vivamente vivido e estético.






Que o digam os poetas que voltam seus mais de cinco sentidos em todas elas. Que o digam os leitores de literatura que exercitam o abecedário imaginal, vasta fonte que desacomoda nossas rotineiras certezas.





Hoje a coluna Incontros trouxe um texto da querida professora Glória Kirinus. Ela é escritora bilíngüe e ministrante da oficina "Lavra-Palavra", além disso é representante da AEI-LIJ/PR (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infanto-Juvenil no Paraná).







Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
Este texto foi uma contribuição do blog Revista ContemporARTES.

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