Páginas

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Aborto

Eu estava assistindo o programa DebateMTV, mediado pelo ilustre João Luíz Woerdenbag Filho[1] sobre aborto, agora a pouco (dia 19/10/10). Resolvi “falar” sobre o assunto. A discussão de cunho cultural, religioso e social, extrapolou seus limites e tornou-se político e propagandístico no momento em que a candidata (possivelmente eleita quando esse texto for postado) Dilma Roussef declarou a postura do seu partido (PT) a favor da descriminalização do aborto. Logo após isso o assunto sofreu o efeito dominó, levando o candidato José Serra (PSDB) a declarar-se contra essa “legalização”. Bom... primeiro deixem-me fazer um levantamento sobre minha opinião relativa às intenções dos presidenciáveis com tais declarações. Dilma tenta obter o maior número de votos femininos possíveis alegando segurança para a prática do aborto (questão da Saúde), bem como a proteção do Estado às mulheres que eventualmente fossem se submeter à essa cirurgia (questão Criminal), e também a toda aquela galera a favor dos direitos humanos. O candidato Serra, ao meu ver, aproveita-se da brecha cedida pela oposição e declara-se contra, ganhando apoio de amplo setor religioso(e não só desse setor) da sociedade. Penso que seja por aí. Enfim, a discussão elevou-se imediatamente a níveis inimagináveis até antes da declaração da candidata. Ela está presente dentro de casa... nas escolas... nas igrejas... nos jornais... nos veículos de informação de uma forma geral. E agora está n’O Clóvis... rs
Vou destacar o que eu penso ser o pivô das discussões: quando se fala no conceito de vida. A questão que eu penso ser cada vez mais estrutural nesse debate é sobre quando se pode dizer, após a união do espermatozóide ao óvulo, que existe vida: Os que são contra a descriminalização do aborto acreditam em pesquisas que consideram a vida um processo, dando exemplo de que mesmo uma criança de três anos de idade estaria em processo de formação. Com esse argumento, que eu absorvi como o principal e mais lúcido destes partidários, eles comparam o aborto ao assassinato de uma criança daquela idade. Faz muito sentido, ao meu simplório olhar.
Já os seus opositores, consideram a vida um conjunto de órgãos em pleno funcionamento. Sendo assim, um feto não poderia ser considerado Ser Humano (aquele mesmo defendido por nossa Constituição de 1988
[2]), da mesma forma que um fígado, isolado das demais partes do corpo, não o seria. Isso porque não há órgãos funcionando plenamente em conjunto no feto. Porra... faz muito sentido também.
Eu percebo uma discussão onde o foco está sendo mal direcionado. Mesmo que neguem, os opositores da postura petista (e não só do PT) acabam se lançando de argumentos religiosos em suas discussões. O que é inviável se querem ser levados a sério. Não que eu não acredite em Deus, mas cristãos tendem a impor seu modo de pensar a outros, acabando por perder a razão e a moral na discussão. Isso pode ser mesmo reflexo da história do cristianismo e de como se deu sua sangrenta expansão. O filme Ágora (Amenábar, 2009) pode esclarecer o que digo. Quando o debate chega à apresentação daqueles pontos que destaquei, para rebater o argumento dos que são a favor da legalização, os primeiros insistem no “sopro divino” que dá vida ao feto em formação. Para mim eles perdem aí a razão. Você não pode expor um conceito religioso, considerá-lo paradigma geral, e esperar que tudo se resolva nisso. Estão errados. Da mesma forma em que estão errados quando colocam o combate à promiscuidade, razão da gravidez indesejada, como “solução” prévia que tornaria desnecessária a discussão do aborto. Agora vou colocar finalmente meu ponto de vista sobre o problema todo, e que eu penso que esteja mesmo nesse ligado ao combate à promiscuidade. Mas não da forma como ela é pretendida. Ou seja: levando jovens à igreja para que sua moral consiga sufocar os desejos carnais humanos... o hedonismo contemporâneo. Trata-se sempre disso: uma moral que suplante a humanidade animalesca expressa pelo sexo desmedido. Bakunin, em seu livro Deus e o Estado, já nos alertava para o perigo às sociedades causado pela exaltação espiritual e conseqüente rejeição do Homem. Enfim, meu ponto: O ABORTO NÃO PODE SER LEGALIZADO. Legalizá-lo ou, em outras palavras, descriminalizá-lo, implica na aceitação constitucional do modelo cultural que nos é empurrado garganta abaixo por toda a mídia atual. O que vemos hoje é uma tolerância total ao individualismo que vem se formando, como descrito em Modernidade Líquida (Bauman, 2002). Não estou sendo a favor de uma repressão aos direitos e vontades individuais, mas a tolerância também pode causar uma repressão, e de pior forma: daquela que não se percebe. O que eu quero dizer é: se você legaliza o aborto, você formaliza o apoio à cultura do sexo banalizado, que não é ruim por si só, mas por trazer com ele a exaltação das aparências, das imagens, da estética. De tudo que é visual, ou melhor, sensual. Estamos entrando em um neoclassicismo exaltador de tudo que mencionei. Mas não como o dos renascentistas conscientes do que faziam, mas sendo sufocados por uma cultura que reprime todos aqueles fora de seus padrões. Cirurgias plásticas, centros de estética, spás, academias... não há como escapar dessa repressão cultural imposta pelos que não querem que nos preocupemos com mais nada além de nossa imagem. A banalização sexual é conseqüência disso... a legalização do aborto vai contribuir mais ainda. Entendam: não sou contra o direito das pessoas escolherem, mas sim contra o desenvolvimento político dessa imposição cultural que sofremos. Isso vai acontecer e já está acontecendo com o PNDH3 (2009), assinado pelo nosso atual presidente em dezembro passado. Outra hora me dedicarei especificamente a esse plano, mas fique exposto que sob a capa de direitos humanos, esconde-se uma repressão à moral e valores coletivos. Um Estado que combate valores coletivos acaba desestruturando a sociedade civil em benefício próprio, ganhando coro – camuflado sob a égide de “direitos humanos” - a qualquer desconstrução cultural, dando-se o direito de reprimir quaisquer expressões morais de determinados setores da sociedade. Como eu disse: haverá uma repressão camuflada de tolerância. E essa repressão já vem ocorrendo desde fins do século passado com a imposição do hedonismo. Se o indivíduo não se enquadra no modelo estético apresentado e amplamente divulgado pela grande mídia, ele é implicitamente rejeitado pelos seus pares. A valorização de sua aparência leva a supervalorização do individual, fazendo assim com que nós concordemos com direitos que nos protejam a toda e quaisquer expressões que possam nos fazer sentir agredidos de alguma forma. As manifestações culturais passam a ser legalmente alvos do indivíduo. Instala-se, portanto, um caos cultural onde somente o Estado terá poder, através dessas leis em prol dos direitos humanos, para conter tal confusão social. Tal poder agirá sobre o indivíduo sem uma base social concreta, dando total arbitrariedade e conseqüente poder ditatorial repressivo ao Estado. E pior: tudo isso mascarado sob a forma de direitos ao cidadão. Eu não sei até onde me considerariam anarquista, mas eu me considero como tal pelo pensamento comum de luta ideológica contra qualquer forma de poder manifestada na e sobre sociedade. E estive pensando constantemente sobre o quão paradoxal se torna meu direcionamento ideológico quando exponho uma opinião como a deste texto. Como poderia eu me declarar anarquista e ao mesmo tempo contra um programa do governo brasileiro que destaque os direitos humanos? Acho que esse texto contra o aborto explica meu ponto de vista. Uma ação governamental em prol dos direitos humanos apenas daria mais poder ao Estado, retirando do indivíduo sua última proteção: a moral social. Seja lá qual for. Todos concordamos que para que uma revolução social ocorra, é preciso que as estruturas morais sejam desconstruídas. Como afirmava o “Sr.Marx”
[3]: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Porém, acredito que essa desconstrução tenha que ocorrer naturalmente, dentro das próprias estruturas de moral espalhadas por aí. A ação do Estado catalisa o processo que Bauman anunciou de que a atual desconstrução das morais existentes não está sendo acompanhada pelo surgimento de uma cultura substituta, como o queria Marx, mas sim pelo seu desaparecimento total. Aqui eu caio em outro paradoxo ideológico: como posso ser, em meus termos, um anarquista e estar reclamando do desaparecimento dos sistemas de moral existentes? É que, justamente, esse desaparecimento está vindo “de cima” e em benefício do Estado. Iludidamente eu ficaria contente com um PNHD da vida e a legalização do aborto, por serem questões defendidas pelos anarquistas. Em outras palavras: o humanismo. Contudo, essas transformações estão mascarando o controle social que o Estado ganhará. Mais: estão gerando o controle social.
As pessoas não estão preparadas para uma revolução social/cultural. Infelizmente, ainda é necessário o que Carl Sagan chama de “bússola moral” que direcione o espírito dos homens ao pleno convívio com sua espécie e com o planeta. Posso até mesmo ser chamado de moralista ou reacionário, mas sou contra essas mudanças pois os brasileiros que as apóiam não são cidadãos esclarecidos e cientes do que pode realmente acontecer, mas sim cidadãos que sofrem lavagem cerebral todos os dias e que esquecem do que realmente importa.
Para mim, a questão do aborto é um passo que não podemos dar se não quisermos baixar nossas cabeças ao Leviatã que está ganhando forma bem diante dos nossos olhos, com nossa aprovação e exaltação.


[1] Lobão.
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...).
[3] Assim Chamado no século XIX por P.-J. Proudhon.

Ulisses Figueiredo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário