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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Um Beijo, Dani.

Então começa assim, quase no final do dia. O que aconteceu antes não importa dizer, só o trajeto que me fez terminar aqui digitando tudo isso. Eu saio do teatro e depois eu converso com ele sobre como foi e peça afogada, tenho muitos apaixonamentos diários todo mundo sabe, todo dia tem um monte deles. Na verdade só gostaria de escrever um dia comum, vivido como todos os dias comuns de pequenos milagres visuais e pequenos “p.s.:eu te amo”. No ônibus um menino lindo me cede o lugar ao lado de uma moça com uma cara debochada. O garoto senta com o pai atrás de mim, me apaixono. “Celular é bom porque a gente só atende se quiser! Ai desculpa”, a mulher fala pra mim e depois diz umas frases soltas “ele tá achando que é o último biscoito do pacote”, “eu liguei o dia todo e quer me procurar agora no final do dia?”, “ih, a fila anda meu filho”, me apaixono fácil por ela e digo quando ela vai embora “você é maravilhosa”, ela sorri e desce, continuo apaixonada no ônibus, mato amor por ela e sigo com outros. “Olha pai, tão vendendo aquele sobrado ali” [pausa] “aqui no catete? só se for pra montar uma casa de putas”. Matei ali, nem quis saber do resto. O ônibus vai ficando chato, quero descer logo, senta um cara do meu lado ao mesmo momento que começa uma discussão sobre o caminho do ônibus, central ou lapa? Eu pergunto pro cara e ele não me responde, fica impassível olhando pra frente. Me mata. A rua é sempre tomada de gente incrível, muito travestis legais, eu recebo um beijo de uma e retribuo “e ai, lindona!”. Adoro muito, meus apaixonamentos com eles vão durar pra sempre. Até que as doenças venéreas, o assassinato, o salão de beleza ou a velhice nos separem. De qualquer que seja o lado que tudo isso venha. Saudade do Pablo, uma criança com fome encostada na parede, uma foto tirada com lomo ia ficar incrível, tá eu sei, muito feio, mas eu trabalho com imagens, é isso e me deixem por conta das escolhas. Um homem com ferros enterrados na carne procurando carros para guardar, os mesmos mendigos que estão na mesma posição, sempre dormindo ou sentados na mesma posição, serão estátuas? Sempre me pergunto isso, porque a gente passa como se esse tipo de gente não se movesse, talvez sejamos medusas, de tanto olhar estranho acabamos congelando essas pessoas. E nisso tudo tem um apaixonamento estranho, porque eu não faço nada, só passo e pronto. Onde está o apaixonamento? Eu não sei, ou talvez esteja nas imagens, sempre elas, me torturando e me acalentando, nessa montanha-russa. Uma menina linda passa com vestido branco, eu compro uma coca cola e flerto com o atendente da padaria às 23h, ele sorri tão bom que é como se fosse o homem da minha vida. Ele não é lógico, mas foi bom. Putas na esquina, de frente ao batalhão de policia e três homens cochichando sobre elas, nojentos, ali não tem apaixonamento. Elas sorriem para os carros, putas de verdade, não as do cais de uma horita antes. Ainda existe obra na minha rua e minha vontade é de fazer um vôo de guindaste em plena madrugada. Volta o amor. Chego a casa pra escrever e percebo que eu não to sabendo mais como fazer isso. Desculpem se esse texto parece um tapa-buraco. Como as putas pro cara que não come ninguém, como me agarrar ao flerte com o atendente no balcão, o beijo do travesti que finge que me adora e eu acredito, a foto inventada da criança real [porque a gente vive inventando imagens e deletando o que nos aborrece] ou os apaixonamentos diários mesmo.

Danielle Ribeiro.
Próxima semana, dia 17/05: "A urgência deve estar de tal forma implícita, a ponto de, ela, a urgência, transmutar-se..." DESEJO E PRUDÊNCIA de Luciano Fortunato.

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