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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Princípio Humano De Igualdade

Diferenças não existem. É tudo uma construção histórica que se desmancha no ar. Não podemos nos dividir mais que já nos estamos dividindo. O conceito de raça já se desfez no ar das ciências biológicas. Já não passa de mofo persistente em alguns artigos científicos, mas nada mais além.
O foco da grande questão está nessa necessidade por identidade. Principalmente pela identidade de quem foi e é historicamente excluído. A quem se expropriou o mínimo direito da não vergonha pelo que se é, o direito à auto-estima, e principalmente o direito à propriedade de si. Entendo, apóio e estou certo da legitimidade da luta pelo fim das desigualdades, pelo fim da subserviência, pela liberdade de ser o que se verdadeiramente é. Contudo, me preocupo. Pois a falta de identidade gerada pela doença social, nos leva a não saber ou desconhecer o que profundamente nós somos. Entendo o quanto um negro demorou a não ter vergonha de si, o quanto dispendioso foi e árdua a luta interna pela afirmação de sua não inferioridade, diariamente afirmada pelo monstro superegóico das castas sociais. O quanto se sentia feio e diferente. O quanto sempre quis ter nascido branco. O quanto demorou a querer ser negro. Entendo e sinto junto. Entendendo o peso ideológico de anos-séculos de hierarquização racial. Podemos entender também o movimento negro de políticas afirmativas, que têm uma origem na política de auto-afirmação de cada indivíduo que a compõe. Entendo profundamente e por isso temo. Pois também entendo um outro movimento histórico de afirmação de raça, de também auto-afirmação individual, que tem origens sentimentais parecidas, mas bem menos cruéis como no caso negro. Longe de comparar o movimento negro ao nazismo, mas à metodologia de análise social que em ambos os casos é parecida. Ambos se afirmam enquanto raça, ambos estabelecem a diferenciação humana pelo conceito de raça. Ambos almejam um despontar social baseados numa divisão de grupos humanos pela idéia de identidade de raça. Conceito este que estava legitimado pelas ciências biológicas do início do século XX, mas que hoje já não passa de entulho cultural.
O preconceito e discriminação existem e são marcas profundas de nossa sociedade. Mas são práticas sociais que se baseiam na hierquização de raças. São pressupostos ideológicos falsos. Igualmente ao conceito de raças, que não se sustenta sozinho. Não existe raça para quem não acredita. Existe gênero, mesmo àqueles que não acreditam. Existe velhice mesmo àqueles que não acreditam. Existe classe social mesmo àqueles que não acreditam. Mas não existe raça senão enquanto afirmação cultural. Ou seja, raça é um pressuposto histórico que se não se sustenta na realidade, só se baseia na idéia. O que eu vejo é mais que uma luta por igualdade – que não irá além se não olharmos a raiz da mesma – é uma luta por uma afirmação da idéia e não da práxis, ou não da práxis baseada numa idéia verdadeira, que se confirme no mundo real. O problema é a tomada deste conceito ideológico social que sempre teve um caráter dominatório, como parte da realidade, o que não o é. Só a idéia existe, e ela cria práxis. Mas é uma idéia falsa. Não podemos nos dividir enquanto brancos e negros ou amarelos, verdes laranjas. É tudo construção cultural, vinda de uma cultura ruída e pútrida de nossos pais, que temos o poder de transformar, de pôr abaixo. Que só transformando e destruindo poderemos ser iguais. Enquanto iguais que realmente somos. Enquanto humanidade igual.
Se existem menos negros que brancos em universidades, empregos qualificados, restaurantes bonitos, clubes e resorts, e realmente existem menos, bem menos, não se deve a um impedimento de raça, mas sim à forma estrutural e estruturante da sociedade. Se deve ao fato de existirem mais negros pobres e mais brancos ricos, mas não são pobres por serem negros nem são ricos por serem brancos. Se deve à origem histórica da desigualdade. Se deve à origem escrava da população negra e a origem mais abastada da população branca, se deve ao fato de que nosso sistema social é feito para que os ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres continuem pobres e se possível se tornem cada vez mais pobres. E o fato de associarmos o negro ao pobre, ao marginalizado, desescolarizado e excluído não é um erro, é um efeito ideológico de estereotipização. É aí a origem do preconceito e da descriminação. O medo do bandido favelado que na maioria das vezes é negro, nos faz estereotipar as pessoas, colocá-las em pacotes e defini-las pela aparência. É justamente aí a origem de todo o erro, nos definir pela aparência. Pelo que a cultura nos diz que somos e não pelo que realmente somos, não pelo aspecto humano universal que realmente nos determina, mas por divisões advindas de um erro histórico. O preconceito racial mascara a raiz que é a exclusão social.Ser branco ou ser negro realmente não importa se queremos lutar pelo fim da desigualdade. O que importa é achar a raiz do problema, e ela é social. Como podemos ter uma sociedade sem privilégios de classe, sem preconceitos raciais ou sociais? É afirmando o que somos! E somos iguais! E só seremos iguais na prática se tivermos as mesmas condições matérias. Se não mais existirem ricos ou pobres, distinções de classe que nos dividem de fato, no muno real do capitalismo, e nos confundem com divisões imaginárias. E só a igualdade prática gera igualdade prática. Só a igualdade sólida que é a nossa humanidade não se desmancha no ar.


Bruno Dutra.

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