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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Noite No Botequim

Paulo Roberto é um rapaz normal. Neurótico como a maioria. Obsessivo como a maioria. Enfim, normal. Tem por costume, assim como todos os obsessivos normais, comparecer aos antros e vias noturnas da boemia fluminense. Torce, por coincidência, pelo time de nome já citado. O que o torna um nativo na linguagem do sofrimento humano, e um praticante semi-profissionalizado e passivo do escárnio futebolístico. Bem. É um rapaz normal como já foi dito.
E como todo rapaz normal, tem muitos amigos normais. Dentre eles, Luiz Guilherme e Pedro Felipe são seus companheiros mais fiéis na arte de se manejar o copo. Têm por hábito o consumo de toda sorte de substâncias tóxicas, e até onde sei, lícitas, em suas jornadas noturnas enquanto debatem e fazem das mesas de botequins e pés-sujos sedes de seminários internacionais dos mais variados campos do conhecimento humano: de filosofia agostiniana, à visita aos clássicos da política, até discussões acaloradas sobre quem ocupará a vaga de Roberto Carlos na lateral esquerda da seleção. Conheciam tanto a noite, que eram daqueles que, mesmo variando de bar, já tinham pelo menos dois afilhados, cada um, entre os filhos dos garçons da região.
Numa destas noites, Paulo Roberto e seus amigos se instalaram num boteco novo, de cujo dono ainda não conheciam. Resolveram experimentar, já que o cenário e as personagens, inclusive as femininas, de tão batidos, já não suportavam novos relacionamentos fugazes, o que por vezes, os obrigava a encararem falsas promessas de telefonema num mesmo ambiente. E nesse novo estabelecimento teriam a vantagem de, por uma noite, se liberarem dos compromissos outorgados por anos de boemia gratuita.
O dono deste novo lugar percebendo a presença de novos clientes se aproximou e com cordialidade deu as boas vindas:
- Boa noite. Fiquem à vontade.
Pedro Felipe de pronto perguntou:
- Tudo bem. Lugar legal. Como se chama?
- Ta escrita lá na frente.
- Não. Hehe... O que ele quis perguntar era qual é o nome do senhor. - Argumentou Paulo Roberto, meio sem jeito.
- É Salim.
Perceberam então, que se tratava de um senhor, provavelmente imigrante vindo do oriente, o que denunciava seu sotaque, talvez árabe ou semita. E que respondera de certa forma atravessada.
- Que figura esse Salim. – Comentou Luiz Guilherme.
Depois de alguns chopes, e alguns graus de álcool no sistema nervoso, os três, em movimento sincronizado, avistam numa mesa próxima, o cabalístico número de três belos exemplares do sexo feminino e sorridentes e falantes e provavelmente bêbadas e certamente desacompanhadas.
- Oi, acho que vocês nunca vieram aqui, né? – Perguntou cheio de ousadia Paulo Roberto.
- Como assim? – Retrucou a mais ébria – A gente sempre vem aqui! Vocês é que eu nunca vi por aqui.
- Proa da fragata! – Pensou ele ao constatar um forte indício de que elas os haviam percebido no ambiente.
- Não, peraí... Você eu nunca vi, mas o seu amigo, eu acho que conheço de algum lugar. – Em Niterói isso é natural, quase regra – Você fez inglês onde?
- Nunca fiz inglês – Respondeu imprudentemente Pedro Felipe. – Mas fiz espanhol. Serve?
- Água! – Exclamou internamente Paulo Roberto ao perceber o interesse dela por Pedro Felipe. – Mas vem cá... Qual é o nome de vocês?
- Maria.
- Helena.
- Janaína.
Como que por uma propriedade estranha ao conhecimento de Paulo Roberto, os nomes de cada uma, assim que proferidos de suas bocas, eram imediatamente apagados, e no lugar de tais importantes informações, apenas restavam borrões.
- Prazer, Paulo Roberto.
Os outros também se apresentaram.
- Vamos juntar as mesas? – Botou logo pra fora, o nosso herói.
Os três já bem acomodados iniciam a conversa, na qual descobrem uma série de ligações e pessoas em comum, lugares onde estudaram ou onde conhecem pessoas que estudaram na mesma época, bares que freqüentam em comum ou que recomendam, além de outros temas também comuns. Depois passaram às preferências pessoais. Como que time torcem, se acreditam em óvnis, se votam ou não no Lula e polêmicas desse tipo.
O flerte neste momento é tácito, porém escancarado. A grande questão a essa altura é saber quem será de quem, já que as três parecem interessadas e são de beleza exuberante, cada qual a seu modo.
- Sabia que Paulo Roberto uma vez fugiu da escola por causa de uma menina?
- Puta que o pariu! Lá vem essa história... – Xingou o Luiz Guilherme mentalmente Paulo Roberto.
Esse assunto, todos sabiam, era o sinal para a declaração de guerra.
- Conta!
- Bem. Ele gostou de uma menina na oitava série, mas não tinha coragem de se declarar, então mandou um monte de poesias. Pois é, ele escreve poesia! Ela ficou toda boba, mas não sabia quem as havia mandado. Um amigo nosso, de sacanagem, um dia ameaçou contar pra ela e começou a escrever o nome dele pela escola em lugares escondidos e mandou que ela procurasse a fim de saber quem era o tal admirador.
- Gente, que maldade! – Interveio Helena.
- E você não viu nada. Nessa hora que ela começou a procurar, as pessoas iam atrás perguntando o que estava acontecendo, e com isso partiam para a procura também. Virando assim uma espécie de gincana. Em determinado momento havia umas cinqüenta cabeças procurando o tal nome. Isso foi criando nele um desespero tamanho, só agravado quando as primeiras pessoas começaram a encontrá-lo, que Deus sabe como, estava escrito no teto de uma das salas de aula, atrás do ventilador. Ao ver que alguns já o procuravam pra questionar por que ainda não se declarara e outros já comentando se a menina deveria ou não ficar com ele, não agüentou a pressão a que essa situação o submetia. Fugiu. Saiu correndo ao imaginar todas aquelas mais de cinqüenta pessoas e mais sua musa, aquela pela qual suas pernas bambeavam, sua boca secava e suas palavras se cortavam tomando conhecimento da identidade de seu admirador e estar ali, cara a cara com a realidade que se tornara então insuportável. Inventou que estava doente, forjou uma autorização de improviso, e o porteiro, ao vê-lo em tal estado de palidez, o liberou.
- Ah, meu Deus. Coitado!
- Dizem que depois da fuga ele foi avistado no Orquídea solitariamente bebendo stanhagger à seco.
Depois de ter voltado a viver toda aquela humilhação numa mesa de bar com mulheres bonitas que até então demonstravam algum interesse por ele, Paulo Roberto tentou amenizar:
- A parte do Orquídea é mentira!


Bruno Dutra.
Na próxima semana, dia 08/11: "(...)não agüento mais esse descompasso, esse signo que ataca ferozmente meu estômago como um câncer...". SABÃO DE CÔCO, de Danielle Ribeiro.

3 comentários:

  1. Esse texto não tem nada de auto-biográfico...

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  2. Sei que não tem... ¬¬
    ahuahuahuahauhauahuahauhau

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  3. hahahahahaahahahaha


    poderia falar assim

    " a parte de torcer pro Fluminense é mentira"

    uhauhauhauhauhaahuauhuhauha


    ótimo texto. Daquele que a gente quer-e-não-quer que chegue no final, e que o final nao seja um final. Me algrou o dia esse texto.

    abs

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