Os fisiológicos são do tipo mais comum. Sua forma de ver o mundo pode ser expressa pela frase: “amo muito tudo isso”. Suas profissões são bem variadas, indo desde altos executivos, empresários, políticos, economistas, até a vendedores ambulantes ou psicólogos.
Caracterizam-se pela falta de personalidade, ou à presença de “personalidade” com uma grande tendência fetichista, como, por exemplo, em colecionar toda sorte de coisas ou se entusiasmar pelas modas mais atuais possíveis. Em geral, não reconhecem no seu trabalho a satisfação em si mesmo, mas o utilizam como forma de atingir fins outros, status social ou simplesmente o vêem como forma de ganha-pão sem qualquer crença na razão social ou ideológica dele.
Sua relação com algum sistema de crenças é o mais variado possível. Mas por mais que creia no transcendental, ele de modo algum ou apenas superficialmente transformará sua forma de enxergar e/ou agir na sociedade, tão somente se adaptará e continuará na mesma maneira em que aprendeu a viver.
Este tipo é o grande responsável pela reprodução dos valores e instituições sociais, bem como do próprio sistema capitalista, devido principalmente à sua ânsia consumista. Em relação aos problemas e mazelas sociais, prefere crer nas soluções mais abstratas e complicadas, como o “fim da violência” ou a “paz mundial” através da conscientização dos outros, do que nas ações na vida prática e política. Tirando de si mesmo a responsabilidade nas preocupações políticas, transferindo a culpa cristã ao Estado e governo onde a política se faz num terreno distante e de onde seus ouvidos cansados de mais um dia de trabalho não merece tomar contato com tão baixa e vil natureza, para tão somente viver o mundo imaginário das revistas de moda, do mundo dos carrões, das festas aristocráticas ou de outras tantas frugalidades escapistas.
Os ideológicos são do tipo mais incerto e perigoso. Podemos encontrá-los em diversos lugares, como nas igrejas, mosteiros, partidos políticos da esquerda ou da direita, nas academias, nas juventudes mais pensantes e passionais, escritórios de advocacia, casas de família.
Caracterizam-se principalmente por suas ações de caráter de extrema moralidade. Agem e tão somente o fazem com o prévio consentimento de sua consciência. Têm em sua vida interior uma constante busca por uma legitimação filosófica de sua forma de se postar ao mundo.
Em geral já a encontraram, mesmo aqueles que mudam o pensamento na mesma velocidade com que respiram, sempre dirão que já a encontraram. E mesmo aqueles que nunca transformaram sua cosmovisão, vivem na incessante e constante tentativa de cimentar sua construção de tijolos ideais.
É aí que se encontra a face perigosa dos ideológicos. Pois o esforço que despenderão com toda sua energia será tão somente no sentido de legitimar sua moral, sem a qual, é o que me parece, cairiam em depressão profunda e secarão como uma flor não regada. E assim, ao invés de estarem comprometidos em descortinar as ideologias, sejam elas quais forem, e buscar estarem mais próximos da realidade das coisas, ao invés disto, serão capazes das mais diversas atrocidades, violências e arbitrariedades contra qualquer um que seja e/ou até contra si mesmos.
Caracterizam-se também pela extrema dificuldade com o diálogo. Não que tenham problemas com a conversação social, mas o empecilho maior está na aceitação do que é idéia externa a eles mesmos. Pois o fardo da auto-legitimação é de tanto peso que são capazes de toda a sorte de operações sofismáticas como estratégia de uma enganosa sensação de segurança filosófica em sua rígida moral. Os ideológicos são cegos por natureza, pois necessitam daquilo que não tem matéria, daquilo que é só uma fraca metáfora da realidade, para agüentarem o peso fatídico da consciência de sua própria morte.
Os de tipo orgânico são os mais raros. Basicamente são a negação dos tipos anteriores e a positivação e aceitação, sobretudo o espírito de investigação do que é real e constitui o mundo e si próprios.
Os orgânicos podem errar. Não se abatem ou se se abatem se levantam e tentam novamente. Pois sabem que podem transformar o mundo, mas que não precisam ter a fórmula certa de agir, ser ou pensar, nem sustentar alguma que não possa ou deva ser mudada diante da matéria real que lhe grita.
Principalmente negam o medo. Estão em constante mudança, e se sentem confortáveis com o desconforto perpétuo das incertezas e do princípio da dúvida que caracteriza a boa intelectualidade. Assim, botam à prova a cada momento todos seus sistemas de valores e crenças. Mesmo aqueles mais profundos e arraigados, alguma vez já questionaram.
Eles sabem que o mundo e si mesmos são fluidos e se transformam com tal dinâmica que só a mais simplória humildade os torna capazes de entendê-lo, nem que seja por alguns poucos e parcos momentos, mas não menos preciosos por isso.
Podemos encontrá-los em qualquer lugar a qualquer tempo, mas dificilmente saberíamos que estão lá. Pois são raros como diamantes, mas quando surgem fazem do mundo um lugar melhor.
Bruno Dutra.
Na próxima semana, dia 05/10: "Quero celebrar guerras novas, torturas novas, amores novos, novas torres caindo, novos deuses sendo derrubados..." MEU CORAÇÃO ANDA PENSANDO AGORA, de Danielle Ribeiro.