Corrí pra janela rezar quando vi a lua cheia me lambendo o cóccix nessa noite calorenta do hell de jano, sei que o mar, aquele infinito limpador de almas deve estar numa espécie de máquina de lavar carregando meus desejos-impecilhos pra áfrica (é o lugar mais longe que pude pedir, na verdade seria ótimo, porque aí minha mãe mandava um afago nas minhas costas direto de suas entranhas para dentro das minhas raízes) e minha vontade é de que meu coração se acalme, é, sempre peço calma para ele porque não agüento mais esse descompasso, esse signo que ataca ferozmente meu estômago como um câncer, que de fato é o signo que me rege, peço que eu saiba o que será de mim quando a tarde terminar assim e que eu pare de despejar palavras doces e bonitas pra homens que merecem tanto, porque eu quero escutar palavras doces e bonitas dos homens que me merecem tanto, eu tenho escrito muito sobre meu coração, gostaria de escrever sobre carros, confeitos, pombos e avenidas, mas na velocidade que minha cabeça anda, e em como eu me sinto uma criança atrapalhada quando abro a boca, tenho medo de ser uma falsa paris, um falso glamour, um asfalto há muito não olhado com vontades, é, eu sei escrever sobre carros, confeitos, pombos e avenidas sim, agora é noite e para ser mais precisa nesse meio do texto já são vinte-e-duas-e-um e a tarde assim aqui é assim mesmo, lá no fundo as crianças brincam e se perguntam secreta e telepaticamente sobre os mistérios do planeta, na verdade elas participam sendo o mistério porque crescem e se negam a dar as respostas já que quando a gente fica esticado na idade vai encurtando a liberdade em averiguar porque as baratas que são tão pequenas e nojentinhas sobrevivem às bombas nucleares (o que quer que sejam bombas nucleares) e as pessoas não, elas-crianças conversam sobre as respostas corretas e deus sabe como seria bom ser curto na idade pra me lembrar dos enigmas do ser-feliz, ainda saber do leve, do pisar macio, do velocípede rapidão e de olhar diretinho pro sol com pescoço em riste sem medo ficar ceguinho, eu olhei pela janela e a lua já subiu até onde meu olhar alcança, senti o balançar da última lavagem do dia e tá agora escorrendo tudo pelo cano de limpeza, ficou branco de repente, meus pés pisaram em solo sagrado e senti o amparo dos seios fartos cheios d’água amniótica me embalando pelo dorso. e amanhã, amanhã quando rebentarem-se as águas que eu saia na velocidade da luz pra nascer em novos desejos e medos.
Danielle Ribeiro.
Próximo domingo, dia 15/11: "Ele queria ser uma estrela de fogo, recusando-se a uma vida (morte) comum, com seus crediários, sermões, noticiários forjados..." A VIDA É FOGO, de Luciano Fortunato.