Eu havia dito a mim mesmo que não publicaria nada durante estas férias, mas cá estou eu mais uma vez quebrando pequenas promessas. Verdadeiramente, eu não me lembro de ter feito promessa alguma a esse respeito. Nas minhas orelhas agora o som do Radiohead. Vejo o som do Radiohead como uma síntese de toda a música que já foi produzida na América (do norte). Como tenho quase zero de inglês, em face da minha amiga de longa data preguiça, eu consigo penetrar na música, instrumentos, voz, sem a preocupação com a significância as palavras. O CD que estou ouvindo é o Amnesiac, e, embora eu não entenda as letras acho que eles não estão me mandando tomar no cu – mas, também, se estiverem... Esta terá sido a forma mais elegante e artisticamente bela de se xingar alguém. O som é melancólico: ao extremo. É tão melancólico que traz uma alegria de ressurreição dentro de si. O último disco deles, In Rainbows, também é excelente.
Neste exato momento o sol ultrapassa minha varanda e vem entrando pela janela de madeira que já está aberta, como bom convidado, em meu quarto. O meu quarto? Ele é o reduto de um “poeta beat” sem estrada. É engraçado como imagino eu saber tanta coisa de estrada tendo tão pouco caído nela. A minha estrada sempre veio dos livros e filmes. A grande “estrada aberta” de Whitman é tão aberta que acaba podendo abrir-se pra dentro: mesmo pra dentro de quatro paredes ou pra dentro da tela de um televisor. Quando Walt Whitman escreveu seus poemas não existia televisão e o cinema era ainda incipiente. Portanto, se dissessem a ele que um homem no século vinte e um pegaria a estrada sem sair de casa ele riria-se. Mas é claro que eu sei que se os escritores beats vivessem na estrada “de fato” – de asfalto –, eles não arranjariam tempo pra escrever tanta coisa: Kerrouak, por exemplo, acho que escreveu vinte e três livros.
Não me sinto um bitolado em coisas virtuais – como estradas virtuais, já que é disso que tenho falado. Acho que apenas sou malandro e pego as estradas que me são possíveis. Um dia contei, de improviso, numa mesa de bar, uma parábola para um amigo. Falei pra ele que sou como um palhaço dentro de uma caixa. O palhaço tem uma mola forte o suficiente para arrombar a tampa da caixa e sair. Mas por algum motivo ele não o faz. O que ele faz? Faz furos na caixa de papelão e fica olhando lá fora. O meu amigo ficou espantado: “que imagem mais triste...”, disse ele. Ele estava certo. É mesmo uma imagem triste. É a imagem de uma prisão. Mas penso: os prisioneiros, numa prisão de verdade... Eles não podem ser felizes? Claro que podem. E sei que muitos o são. Cada pessoa é feliz à sua maneira e inventa a sua felicidade. Há inúmeros casos de presidiários que quando libertos não puderam “ser felizes”. Ou seja, não puderam contemplar a plenitude esperada com a abertura dos portões. Graciliano Ramos esteve preso e, quando liberto, disse, em entrevista, que não fazia muita diferença, como se sempre tivera sido livre e prisioneiro – só muda o ambiente.
Tenho quarenta anos e minha estrada me espera. Ele pode estar na estrada (a estrada da estrada), pode estar em minha casa, num compartilhar com pessoas queridas, num aprender, num novo sentir, num novo captar, num recapitular – e voltar também é importante, pois somos construídos de passado surpreendentemente vivo –, num novo livro, num novo filme, numa nova canção, ou, até mesmo, num velho automóvel, porque não? A propósito: é o palhaço quem abre a tampa da caixa ou é uma pessoa quem deve abri-la? Ah... Pensei agora que as pessoas sempre se assustam com o palhaço... Só que, para a “sorte” de todos, o palhaço, que tem uma potente mola, não tem asas.
Luciano Fortunato.
Próxima semana, dia 19/04: "Se eu penso em fazer algo que poderia levar a maioria das pessoas a me discriminarem... ou me levar à prisão... ou me levar ao inferno... ou me levar à felicidade, lá está sua moral pra me controlar." NÃO PODIA SER MELHOR, de Ulisses Figueiredo.
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